domingo, 29 de setembro de 2013

Dever cívico no dia de hoje



Infelizmente, até dá para ser assim. 

Dever cívico é o título deste cartoon de Henrique Monteiro.









António Manuel Couto Viana e Álvaro de Campos




CAFÉ DE SUBÚRBIO (24)

Ao chegar hoje à esquina das manhãs do olhar,
Vejo o café fechado,
Sem uma cruz piedosa a anunciar
Que morreu traspassado.
Renasce em snack-bar?
Em sucursal de banco? Ou em supermercado?

Onde esgotar, agora, as preguiças do dia?
Onde achar nova asa a expandir-se no voo?
Onde dar de beber à poesia
Mais decifrável do que sou?
O Álvaro de Campos certamente diria:
– Desde hoje o subúrbio mudou!

António Manuel Couto Viana
(1923 – 2010)

As escadas não têm degraus, nº4
(Cotovia, 1991)



Cruz na porta da tabacaria!

Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-estar que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.

Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horror fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.

Mas ao menos a ele alguém o via,
Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria.
Desde ontem a cidade mudou.

(14-10-1930)

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Morreu o poeta António Ramos Rosa



Morreu esta segunda-feira em Lisboa, aos 88 anos, o poeta e ensaísta António Ramos Rosa, um dos nomes cimeiros da literatura portuguesa contemporânea, autor de quase uma centena de títulos, de O Grito Claro (1958), a sua célebre obra de estreia, até Em Torno do Imponderável, um belo livro de poemas breves publicado em 2012. Exemplo de uma entrega radical à escrita, como talvez não haja outro na poesia portuguesa contemporânea, Ramos Rosa morreu por volta das 13h30 desta segunda-feira, em consequência de uma infecção respiratória, em Lisboa, no Hospital Egas Moniz.
 
A notícia completa no Público


Nascimento último

Como se não tivesse substância e de membros apagados.
Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.
E germinar no sono, germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite, lentamente, sob uma chuva densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.
No encontro e no abandono, na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento, na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui, o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser, os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.


Mais poemas de Ramos Rosa




domingo, 1 de setembro de 2013

Casa Museu José Régio em Portalegre



A Casa-Museu José Régio em Portalegre foi instalada naquela que foi a habitação de José Régio durante 34 anos.

Quando José Régio foi colocado no Liceu Mouzinho da Silveira, em Portalegre, na casa funcionava uma pensão, onde se hospedou.

Data dos finais do século XVII e terá sido um anexo do convento de S. Brás, do qual ainda existem alguns vestígios, nomeadamente da capela. Também serviu como quartel-general aquando das guerras peninsulares e muito mais tarde pensão 21.

José Régio alugou um humilde quarto e à medida que a necessidade de espaço aumentava com a ampliação constante da sua colecção, ia alugando as outras dependências da casa, até que se transformou em hóspede único.

Em 1965 vende a sua colecção à Câmara Municipal de Portalegre com a condição desta adquirir a casa, restaurar e transformar em Museu. Ficaria com o usufruto e só à sua morte este passaria para a Câmara. Tal não aconteceu, pois José Régio morre a 22 de Dezembro de 1969 e o Museu só veio a abrir a 23 de Maio de 1971.

COLECÇÕES
As colecções estão distribuídas por 17 salas de exposição permanente e por uma sala de reservas, em dois pisos.

COLECÇÕES EXPOSTAS:
- escultura
- pintura
- faiança
- mobiliário
- metais
- têxteis
- registos


RESERVA:
- escultura
- faiança
- numismática/medalhística
- registos
- trabalhos pastoris (marcadores de pão e bolos, cornas, polvorinhos, chavelhas e colheres)
- Ferros forjados

Além deste espólio, a Casa-Museu possui um variado acervo literário dividido entre a própria casa, as reservas e o centro de estudos. Este espólio resultou do gosto, de José Régio, pelas antiguidades pelo coleccionismo que segundo diz, nasceu-lhe cedo por influência do seu avô. Mas foi no Alentejo que se ampliou e desenvolveu. A região era fértil e rapidamente se espalhou que havia um professor de Liceu que gostava e comprava coisas velhas. Começou por ser um passatempo, uma mania, mas depressa se transforma numa actividade regular, num vício.

Compra, vende e troca. Tinha épocas. A dos pratos: os "ratinhos" - uma faiança popular de Coimbra, trazida por migrantes que vinham ceifar ao Alentejo e no final das fegas os trocavam por roupas e tecidos, os de Estremoz, de Miragaia, de Fervença...

Os estanhos, os cobres, e na cozinha os ferros forjados e outras curiosidades do artesanato alentejano - marcadores de pão e bolos, as pintadeiras, dedeiras ou canudos e os trabalhos em chifre como as cornas e os polvorinhos.

E não podemos deixar de referir a colecção de arte sacra. Os Cristos, a sua grande colecção, nas mais diversas apresentações e representações são, essencialmente, em madeira e de arte popular. Feitos por quem tinha um certo jeito, faziam parte do enxoval das noivas, em tempos idos no Alentejo!