sábado, 21 de novembro de 2015

Uma notícia sobre os "retornados" 40 anos depois

Fotografia dos contentores dos "retornados" feita em 1975 pelo fotojornalista Alfredo Cunha


O “retorno” foi há 40 anos mas volta a ser agora

Vanessa Rato

20/11/2015

Nos anos 1970, os caixotes de madeira dos “retornados” subiam alto junto ao Padrão dos Descobrimentos. Agora, no mesmo local, uma fotografia reactiva o passado. Há muito trabalho a fazer na digestão de um dos maiores traumas nacionais


A 25 de Julho de 1977 o jornal O Dia publicava um pequeno anúncio de canto de página emitido pelo IARN. O Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais fazia saber que nos armazéns da Standard Eléctrica, em Lisboa, se encontrava por reclamar bagagem chegada das antigas colónias ao longo dos anos de 1975 e 1976.

“Ficam os respectivos proprietários avisados de que devem proceder ao seu levantamento, com a maior brevidade possível, chamando-se a atenção para o facto de que a longa permanência dos volumes em armazém poderá ocasionar a sua danificação e deterioração, pelas quais o IARN não pode responsabilizar-se”, lê-se no aviso.

Quem abandonaria os seus poucos bens ao longo de mais de dois anos? Na maioria dos casos, provavelmente, nacionais a viver em hotéis, pensões, quartos em casa de familiares e amigos, em camaratas de colónias de férias e parques de campismo.

Eram aos milhares os que dois anos volvidos sobre o êxodo dos antigos territórios ultramarinos não tinham conseguido começar a reconstruir as suas vidas, mergulhados no desenraizamento e precaridade simbolizados pelas centenas de contentores de madeira deixados a apodrecer à chuva junto ao Padrão dos Descobrimentos.

Mobílias e electrodomésticos, livros, roupas, loiças, brinquedos, fotografias de família – vidas inteiras: as torres de caixotes abandonados e alguns esventrados e pilhados no porto de Lisboa tornaram-se na imagem emblema do chamado “retorno” que a partir do 25 de Abril de 1974 fez entrar em Portugal mais de meio milhão de nacionais até ali residentes em África. É a imagem invocada pela intervenção que Retornar – Traços da Memória tem agora no mesmo local junto ao rio – uma série de contentores com uma grande fotografia ampliada tirada ali mesmo, em 1975, pelo fotojornalista Alfredo Cunha.

Iniciativa da EGEAC, a empresa de equipamentos e animação cultural de Lisboa, Retornar é um evento transdisciplinar com actividades a decorrer ao longo dos próximos quatro meses. A intervenção junto ao Padrão dos Descobrimentos faz parte da exposição com que, dentro desse programa, a EGEAC inaugura uma nova galeria municipal – a Galeria Avenida da Índia (no número 170, em Belém).

O aviso publicado no jornal O Dia é um entre muitos recortes de imprensa que, nessa exposição documental, ajudam a compor o complexo puzzle da narrativa social por detrás de um dos maiores traumas nacionais.

Comissariada pela antropóloga Elsa Peralta, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a mostra formaliza parte do trabalho desta investigadora sobre a representação do Portugal pós-colonial e a constituição de uma pós-colonialidade a partir da década de 1980, no quadro europeu. Dentro da investigação geral para a exposição, a investigação de media – em centenas de notícias de jornais nacionais e das antigas colónias – foi feita por um dos doutorando do instituto, Bruno Góis.

É a secção através da qual mais facilmente acedemos hoje à psicologia colectiva da época – à forma como os diversos acontecimentos sociopolíticos foram integrados no discurso público e, através dele, na opinião pública.

“Uma das preocupações era tentar perceber como tantas pessoas diferentes nunca tinham pensado que acabariam por ter de voltar”, explica o investigador. Refere-se à precipitação da Ponte Aérea que nos breves meses do Verão Quente de 1975 terá feito aterrar em Portugal mais de 200 mil pessoas em cerca de 900 voos de emergência. A maior parte não trazendo nada ou muito pouco da sua vida anterior.

Através de testemunhos directos, sabe-se como em Angola e Moçambique, por exemplo, a maior parte dos residentes ultramarinos urbanos viviam, em grande medida, alheios à guerra em volta, acontecimentos das distantes províncias interiores que a vastidão territorial, na maior parte dos casos, transformava em ecos minorados ou distorcidos. Grande parte dessa faixa populacional não estava também especialmente informada sobre a realidade política metropolitana e acreditava na possibilidade de uma transição de regime, tanto na metrópole como nas colónias. Por outro lado, através da documentação oficial, sabe-se também como a deslocação dessas populações para Lisboa era desincentivada e em muitos casos dificultada pelo Governo. De acordo com a investigação feita para Retornar a comunicação social contribuía para essa névoa.

(...)

A notícia completa no jornal Público


quarta-feira, 11 de novembro de 2015

"Cheiro a Café" - João Afonso

IX Jornada de Língua e Cultura Lusófonas: O Ensino da Oralidade

Olá amigos,

O meu colega já pôs aqui o cartaz da nossa jornada da APPEX deste ano... Ponho-vo-lo novamente, anexando também o programa. Recordo que aqueles que são professores também podem inscrever-se através da página do CPR de Plasencia. Contamos com a vossa presença!

Aqui vai o link do CPR de Plasencia:

IX Jornada de Língua e Cultura Lusófonas: O Ensino da Oralidade





sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Morrer em Zanzibar (João Afonso)



Poderemos escutar canções como estas no próximo dia 25 em Badajoz! João Afonso na nossa cidade.



MORRER EM ZANZIBAR

As histórias que contavas lá da aldeia
a bola no telhado da vizinha
o branco no amarelo da eira
e a calça sem bainha

A varanda e a calça sem bainha
a semana
na baía a pesca à linha
a vizinha, o que querias da montanha

Que pensamento querias da montanha
fugiste um dia p´ra Kilimanjaro
seria o jeito sábio dum cocoana
a falar sob um céu claro
a marimba, a falar sob um céu claro
a madeira, de pau preto um aparo
a montanha
vou de boleia em boleia

Agora vou de boleia em boleia
agora vou voltar a ser menino
parar, ouvir silêncios sobre a areia
visitar-te em S. Francisco

Sobre a areia, visitar-te em S. Francisco
lua cheia
a subir tudo o que lembro
a gavinha, numa noite de Dezembro

Deixaste o sol na praia de Inhambane
no cais da ponte o dia do vapor
amigos que p´ra longe a pátria bane
num retrato de esplendor

Ventoinha, num retrato de esplendor
cazuarina, quinino saga e calor
a cantina
com o sabor, o leitor
e fico com o sabor das leituras
percorro a vossa esteira pelo mar
com um baú de histórias de aventuras
vou morrer em Zanzibar





quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Novembro! (Miguel Esteves Cardoso)



Novembro!

É Novembro. Vá à janela. Espante-se. Novembro é o mês das belezas inesperadas. Ensina-nos a inesperar: a deixarmos de andar de acordo com os nossos preconceitos.

Herberto Helder nasceu em Novembro em 1930 e começou um poema com o mês de Novembro. Novembro confunde. É um mês que não regula bem do céu. É levado da breca. Vá à janela: surpreenda-se. Não é só não custar nada: custa muito despedirmo-nos dele. Aproveite enquanto puder.

Outubro foi o primeiro mês só de Outono. Nota-se pelas letras que partilham. Mas Novembro é o mês em que o Outono é levado a sério, como o último mês bonito do ano.

Novembro é o mês das castanhas, das amêndoas e das nozes. Apareceram antes - tal como o Outono, ridiculamente nos finados de Setembro - mas só em Novembro é que fazem sentido. É o mês de assá-las, abri-las e comê-las.

Se quisermos que esteja frio, está frio. Se quisermos que chova, chove. Mas nunca - nem de longe - é Inverno. Novembro é tão avariado da pinha que permite falar-se, sem fazer disparar metralhadoras de risos, no "verão de São Martinho".

Novembro é o mês quente de mais para a água-pé, que todos os alcoólicos regular e tipicamente denunciam, dado o baixo teor de álcool da mistela, como não sendo digna de atenção.

Novembro é o Junho da segunda metade do ano. É um prazer e o princípio de uma liberdade condicional de 7 semanas, antes de começar, 4 dias antes do dia de Natal, a única estação do ano que é verdadeiramente insuportável: o Inverno.

Miguel Esteves Cardoso


Publicado no diário Público (3-11-2015)