segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Cântico do País Emerso (Natália Correia)




Não sou daqui. Mamei em peitos oceânicos
Minha mãe era ninfa, meu pai chuva de lava
Mestiça de onda e de enxofres vulcânicos,
sou de mim mesma, pomba húmida e brava

De mim mesma e de vós, ó Capitães trigueiros,
barbeados pelo sol, penteados pela bruma!
Que extraístes do ar dessa coisa nenhuma
a genesis, a pluma do meu país natal.

Não sou daqui, das praias da tristeza,
do insone jardim dos glaciares
Levai minha nudez, minha beleza,
e colocai-a à sombra dos palmares.

Não sou daqui. A minha pátria não é esta
bússola quebrada dos impulsos.
Sou rápida, sou solta, talvez nuvem.
Nuvens, minhas irmãs, que me argolais os pulsos!
Tomai os meus cabelos. Levai-os para a floresta.

Natália Correia

Cântico do País Emerso (1961)

 
 
 Manuel Alegre sobre Natália Correia: "A feiciticeira cotovia" (13-09-2013)
 
 
 
 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Resumo da nossa X Jornada em Badajoz

Este ano, a APPEX, comemorou os seus dez anos de Jornadas, dedicando o encontro anual ao tema das viagens: “Viajar para Conhecer”. Uma jornada com muito bom ambiente e uma afluência de colegas bastante importante.

Pudemos contar, uma vez mais, com a ajuda dos nossos mais próximos colaboradores, Camões IP, Universidade da Extremadura, Gabinete de Iniciativas Transfronterizas e CPR de Badajoz, além da Associação das Festas do Povo de Campo Maior, este ano com uma ateliê de elaboração de flores, e da Biblioteca Pública Bartolomé J. Gallardo que nos cedeu o espaço para o evento.


Iniciámos a Jornada com a tradicional mesa de inauguração com a presença de Jesús Pascual, Assessor de Idiomas da Consejería de Educación, Raquel Gafanha do Insituto Camões e Jacques Songy, presidente da APPEX.


A primeira conferência, a cargo da professora Luísa Madeira Leal, da Universidade da Extremadura, versou sobre a literatura de viagens em Português e algumas propostas de aplicação didática nas aulas de PLE. Finda a conferência, uma pequena pausa para um substancial pequeno almoço oferecido pela associação ao ritmo da língua portuguesa, da boa disposição e da confraterniazação de muitos colegas que aproveitam este evento anual para um saudável reencontro.



Por razões logísticas, a ordem das conferências teve de ser alterada, e na segunda parte da manhã de trabalho, ouvimos com atenção a nossa colega Lígia Borges, da EOI de Montijo, que nos brindou com uma série de ideias e experiências didáticas postas em prática ao sabor das viagens e da alteridade cultural que serve de base à descoberta da língua portuguesa.


Para manter esse ambiente de partilha e de convívio, a APPEX organizou um almoço para os sócios, com um convidado especial, o escritor e viajante Gonçalo Cadilhe que iria partilhar a sua tarde connosco, fazendo-nos descobrir um pouco da sua obra e das suas viagens. Um almoço do mais divertido e uma tarde de viagens por destinos exóticos, sem dúvida.




Já em fim de tarde, uma pequena introdução sobre as origens das Festas do Povo de Campo Maior por parte da nossa colega Paula Ferreira da Silva, da EOI de Mérida. Seguidamente, a Associação das Festas do Povo ofereceu-nos um pequeno ateliê de elaboração de flores de papel. Um trabalho divertido mas bastante árduo se pensarmos na quantidade de flores necessárias para decorar todas aquelas ruas. Só mesmo pondo a mão na massa é que nos podemos dar conta da dificuldade de certos trabalho, não há dúvida!




Concluímos a tarde com a assembleia anual da associação onde, entre outros vários temas se reiterou a importância da criação de um departamento de português nas escolas básicas e secundárias da região e da solicitação de uma reunião com o Secretário Geral de Educação da Extremadura para uma data próxima.

Deixamos aqui este pequeno resumo, partilhando a alegria de um dia em cheio, de muita amizade, companheirismo e língua e cultura portuguesas, claro! Esperamos poder contar com os colegas ausentes para a próxima e com novos colegas que queiram fazer parte deste grupo de professores que vai marcando presença na região. Juntem-se a nós: appex.dir@gmail.com

Próximos encontros? Fim de semana de imersão linguística, para os sócios, em Arronches, no próximo mês de maio e a XI Jornada em Mérida lá para o mês de novembro de 2017.

Concluiremos deixando-vos o artigo de La Gaceta Extremeña de la Educación que faz eco da nossa jornada e do português na região:

http://lagaceta.educarex.es/leer/cuatro-personas-estudian-portugues-espana-cursan-extremadura.html






sábado, 24 de setembro de 2016

Exaustos-e-correndo-e-dopados (Eliane Brum)




Exaustos-e-correndo-e-dopados

Na sociedade do desempenho, conseguimos a façanha de abrigar o senhor e o escravo no mesmo corpo

ELIANE BRUM
4 JUL 2016


Nos achamos tão livres como donos de tablets e celulares, vamos a qualquer lugar na internet, lutamos pelas causas mesmo de países do outro lado do planeta, participamos de protestos globais e mal percebemos que criamos uma pós-submissão. Ou um tipo mais perigoso e insidioso de submissão. Temos nos esforçado livremente e com grande afinco para alcançar a meta de trabalhar 24X7. Vinte e quatro horas por sete dias da semana. Nenhum capitalista havia sonhado tanto. O chefe nos alcança em qualquer lugar, a qualquer hora. O expediente nunca mais acaba. Já não há espaço de trabalho e espaço de lazer, não há nem mesmo casa. Tudo se confunde. A internet foi usada para borrar as fronteiras também do mundo interno, que agora é um fora. Estamos sempre, de algum modo, trabalhando, fazendo networking, debatendo (ou brigando), intervindo, tentando não perder nada, principalmente a notícia ordinária. Consumimo-nos animadamente, ao ritmo de emoticons. E, assim, perdemos só a alma. E alcançamos uma façanha inédita: ser senhor e escravo ao mesmo tempo.

(Artigo completo em El País - Brasil)



terça-feira, 7 de junho de 2016

Raduan Nassar, Prémio Camões 2016

Fotografia: Paulo Pinto


Raduan Nassar: o Prémio Camões que abandonou a literatura

Sem comentários, o brasileiro e ex-escritor Raduan Nassar recebeu a notícia de que lhe fora atribuído o grande troféu da língua portuguesa, o Prémio Camões. A chamada de Portugal encontrou-o em casa, na fazenda de Lagoa do Sino, a três horas de carro de São Paulo. Ali, onde seria errado dizer que se retirou, tem vivido nas últimas três décadas, dedicado à agricultura. O prémio que reclama a consagração de toda uma obra literária apanhou-o de surpresa. Recusou-se uma vez mais a dar entrevistas, como tem feito desde que se desinteressou da literatura, mas ainda revelou o seu espanto a um jornalista do Folha de S. Paulo: «Eu não entendi esse prémio, minha obra é um livro e meio!». E ficou por isso, rindo-se.

Continuou a repetir o mesmo a amigos e aos jornalistas... «Mas uma obra tão minguada...» E é. Um romance e uma novela – Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978) –, para lá disso só um pequeno volume de contos, Menina a Caminho (1997), reunido já longos anos após ter virado as costas à literatura. Depois há um ensaio que até hoje permanece inédito em português, ‘A Corrente do Esforço Humano’, publicado na Alemanha em 1987, e, na mesma situação, um conto isolado ‘O Velho’, que fez parte de uma antologia francesa (Des Nouvelles du Brésil) publicada em 1998.

Só lendo as não muitas mas certamente bastantes páginas que este brasileiro de origem libanesa, hoje com 80 anos, deixou para se entender como não foi preciso mais para fazer dele um nome incontornável da nossa literatura. Entre as várias vozes que saudaram a escolha de Raduan Nassar, o escritor brasileiro Milton Hatoum – também de ascendência libanesa, e que recebeu a bênção do outro quando começou a publicar – talvez seja quem mais possa ter a dizer, uma vez que é em grande medida o mais notável dos herdeiros da influência literária daquele autor culto. «Foi um prémio merecido por sua obra plena e poderosa», disse Hatoum, lembrando que o mexicano Juan Rulfo também só publicou um romance e um livro de contos – Pedro Páramo e A Planície em Chamas, tendo sido publicado já postumamente a novela O Galo de Ouro (1980) – o que não o impediu de deixar um legado que transformou a paisagem literária sul-americana, sendo atribuída às suas pouco mais de 300 páginas um papel fundador do chamado realismo mágico. (...)


A notícia completa no semanário Sol (4-6-2016)


***************************************

É assim que começa a obra prima de Nassuar, Lavoura arcaica:


Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo; eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou pra me levar de volta; minha mão, pouco antes dinâmica e em dura disciplina, percorria vagarosa a pele molhada do meu corpo, as pontas dos meus dedos tocavam cheias de veneno a penugem incipiente do meu peito ainda quente; minha cabeça rolava entorpecida enquanto meus cabelos se deslocavam em grossas ondas sobre a curva úmida da fronte; deitei uma das faces contra o chão, mas meus olhos pouco apreenderam, sequer perderam a imobilidade ante o vôo fugaz dos cílios; o ruído das batidas na porta vinha macio, aconchegava-se despojado de sentido, o floco de paina insinuava-se entre as curvas sinuosas da orelha onde por instantes adormecia; e o ruído se repetindo, sempre macio e manso, não me perturbava a doce embriaguez, nem minha sonolência, nem o disperso e esparso torvelinho sem acolhimento; (...)






Mais um trecho desta obra, no blogue Um Reino Maravilhoso.




domingo, 17 de abril de 2016

Iª IMERSÃO LINGUÍSTICO-CULTURAL DA APPEX

Poderia redigir aqui um longo testamento sobre a agradável sensação de “fim-de-semana-perfeito” com a qual voltámos de Arronches, depois desta nossa Iª Imersão Linguístico-cultural da APPEX.

Uma iniciativa lançada por primeira vez pela Associação e preparada por e para todos os sócios que mantêm este projeto de amor pelo ensino do português vivo na Extremadura já lá vão uns quantos anos.

Mas para não tornar este artigo maçador! Deixemos que o decorrer das atividades, representado pelas fotografias que vos deixarei, falem por si!


Depois de uma estressante viagem numa intensa e chuvosa manhã de sábado, um passeio pela vila…
E depois, de volta ao Hotel Rural Santo António - o qual, diga-se de passagem ofereceu-nos todas as condições para um fim de semana perfeito - momento imperial... O relax era a palavra de ordem, claro!

Um perfeito almoço com muita conversa, risadas e boa disposição para continuar com um Workshop de sabão caseiro oferecido pelo hotel em colaboração com o Museu de Sabão de Belver.


À noite, um serão de diversão, à volta do português, de Portugal e da sua cultura com jogos como "Conhecer Portugal" e "Pictionary". Bom humor e diversão! Que nunca faltem!

Finalmente, depois de uma noite de sono e de descanso... sobretudo para aqueles que foram dormir mais cedo... creio que eram poucos... Vamos à Esperança, ao Centro de Interpetação da Identidade Local de Esperança...


Uma visita às pinturas rupestres...



Aacbámos a manhã com uma relaxante sessão de Ioga com a professora Lula da Newmove de Évora. A foto diz muito mas o link do vídeo vale a pena! Cheira a zen, a paz, e a queremos mais um dia desses!


É, o que é bom dura pouco!!! Mas temos a certeza de que todos queremos mais e que isso são favas contadas!

Despedida do hotel, da boa vida e acabou-se o que era doce! 


Esperemos que mais colegas se juntem para o ano! Uma boa semana a todos e NAMASTE!



domingo, 13 de março de 2016

@ nossa LÍNGUA





Países diferentes irmanados pela língua. Múltiplas perspectivas, nos países de Língua Portuguesa, convergindo no Instagram e compondo um painel da lusitanidade, em galeria virtual, em livro, em exposição e em documentário


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Língua materna vs Língua madrasta (Blogue Bianda)



 Língua materna vs Língua madrasta

Não haverá desenvolvimento verdadeiro sem o desenvolvimento da língua materna, ponto! Exercício diário, vulgo TPC (Trabalho Para Casa) que desde a minha infância são meros cumprimentos de obrigação, em vez de serem entusiasmantes prolongamentos dos ensinamentos nas aulas. E continua. Sempre me angustiou essas questões. Como uma filha a crescer rapidamente, para além da angústia vem-me a revolta. Vejam só este enunciado:

 "Ao número anterior, adiciona uma unidade ao algarismo das dezenas e de seguida subtrai um unidade ao algarismo das unidades. Ao número obtido, faz a soma dos dois algarismos. O que verificas?"

Agora adivinhem de que ano escolar estamos a falar...A 3ª classe, o ano em que a minha filha de 7 anos frequenta! E como ela lida com isso? Mal, claro! Porquê? Por causa da língua, caraças!! Como descascamos esse ananás? É assim: antes de resolver o exercício de matemática, sento-me com ela a resolver o problema da língua. Pergunto-lhe, percebeste o que o texto quer dizer? Não. Então vamos por partes, lê um pedaço de frase de cada vez e explica ao papá em crioulo o que quer dizer. Assim, continua. Agora lê a frase toda e liga as ideias. Consegues agora perceber a frase? Sim! Ótimo. Pronto, agora que percebeste a frase, vamos lá resolver o problema da matemática. Qual é o algarismo das unidades? Boa! E qual é o das dezenas? Continua, agora adiciona-os. Pronto!

Esta novelinha acontece com todas as disciplinas, inclusive a disciplina de Língua Portuguesa. Raciocinar na língua materna e fazer a tradução, no sentido de compreender e no sentido de escrever o resultado. Agora ponho a questão: e os milhares de meninos que sequer têm uma família coesa, quanto mais pais pacientes e com um pouco de metodologia para desembrulhar essa complicação do sistema? Pois, produzir meninos estúpidos ao 12º está plenamente explicado. 


Publicado originalmente no blogue Bianda (8.10.2012)




domingo, 31 de janeiro de 2016

O vestido (Adélia Prado)




O VESTIDO

No armário do meu quarto
escondo de tempo e traça meu vestido
estampado em fundo preto.

É de seda macia desenhada em campânulas
vermelhas à ponta de longas hastes delicadas.
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,
meu vestido de amante.

Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.
É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada:
eu estou no cinema e deixo que segurem minha mão.
De tempo e traça meu vestido me guarda.

Adélia Prado