Pessoalmente, creio que estamos perante uma obra notável, de acordo com uma óptica lúcida, à parte de polémicas “fadistas” (quer da sua história ou do seu conservadorismo estético), de alguém que leva o fado nas veias sem ter nascido em território lusófono. Devo mesmo dizer que tem imagens tão impactantes como a própria música que dá título à obra de Saura. Mas, apesar de ter como consultores nomes tão notáveis da música portuguesa e da musicologia lusa, como Carlos do Carmo e Rui Vieira Nery, respectivamente, peca por não aludir a um fado também marcante, menos rústico, mais romantizado, mais dos exteriores e das serenatas, forte em emoções e digno de criticar o seu “sexismo” (a tradição diz que só pode ser cantado por homens), isto é, o fado de Coimbra.
Já que se trata de uma obra arrojada, livre e imbuída de influências e experiências, e, uma vez que Mariza já se atreveu a desafiar o instituído, cantando, desafiando a tradição imutável, um fado à moda da cidade à beira do Mondego.
Longe de ser uma crítica, dado que poucos se atrevem a abordar o fado como algo para além do que os anos (desde o século XIX, passando pelo fascismo, revolução de Abril até hoje) e a sociedade vem instituindo como canção nacional, vejo mais mérito que demérito por parte de Saura que, uma vez mais, provou ser um excelente cineasta a quem temas polémicos não põem medo.
Enquanto obra para utilizar no contexto das aulas de língua e cultura portuguesa (que talvez um dia se chamará lusófona) é uma excelente oportunidade para ensinar através da arte, ao som de notas musicais e de passos de dança moderna e experimental, tudo isto com uma fotografia original, intimista, forte em expressões e ideias.
Já o pude comprovar, utilizando-o num contexto de aulas em “Bachillerato”, mesmo que não seja do agrado de todos, a música tende a exprimir-se de uma forma universal, a atingir até o ser mais insensível, algo que, apesar de nunca ter acreditado que sim, o fado faz. Como me habituei a pensar, algo fica, por pouco que seja… ou muito... quem sabe?
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