sábado, 8 de março de 2008

Jorge Mateus de Lima e a negra Fulô

Fotografia de Willy Miel


Jorge Mateus de Lima (União dos Palmares AL 1893 - Rio de Janeiro RJ 1953). Poeta, romancista, pintor e tradutor. Em 1902 muda-se com a mãe e os irmãos para Maceió, Alagoas. Transfere-se para Salvador, em 1909, e ingressa na Faculdade de Medicina. No terceiro ano do curso, vai morar no Rio de Janeiro, e se forma em 1914, ano em que publica seu primeiro livro, XIV Alexandrinos. Volta para Maceió em 1915 e até 1931 dedica-se igualmente à medicina, atendendo em consultório próprio, e à literatura - nesse período publica quase dez livros, sendo cinco de poesia - além de envolver-se com a política local, exercendo o cargo de deputado estadual de 1918 a 1922. A Revolução de 1930 dá início a um período de insegurança e perseguição política que o leva a radicar-se definitivamente no Rio de Janeiro, onde tem os primeiros contatos com escritores e artistas. Seu consultório médico torna-se também ateliê de pintura e ponto de encontro de intelectuais. Entre 1937 e 1945, sua candidatura à Academia Brasileira de Letras - ABL é recusada quatro vezes. Em 1939 inicia-se nas artes plásticas e participa de algumas exposições. Publica seu livro mais importante, o épico Invenção de Orfeu, em 1952. No ano seguinte, meses antes de morrer, grava poemas para o Arquivo da Palavra Falada da Biblioteca do Congresso de Washington, nos Estados Unidos. Sua obra, de inspiração e influência católicas, apresenta também contatos com o imaginário surrealista.


ESSA NEGRA FULÔ

Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangué dum meu avô
uma negra bonitinha
chamada a negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
– vai forrar a minha cama,
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô!

Essa negrinha Fulô
ficou logo pra mucama,
pra vigiar a Sinhá
pra engomar pro Sinhô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
Vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar a minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!

«Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco.»

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
«Minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou.»

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô? Ó Fulô?
(Era a fala da Sinhá
chamando a negra Fulô.)
Cadê meu frasco de cheiro
que teu Sinhô me mandou?
– Ah! foi você que roubou!
– Ah! foi você que roubou!

O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa.
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô.)

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô? Ó Fulô?
Cadê meu lenço de rendas
cadê meu cinto, meu broche,
cadê meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
– Ah! foi você que roubou!
– Ah! foi você que roubou!

O Sinhô foi açoitar
sozinho essa negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dele pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô? Ó Fulô?
Cadê, cadê teu Sinhô
que nosso Senhor me mandou?
Ah! foi você que roubou,
foi você, negra Fulô?

Essa negra Fulô!


(Biografia retirada de http://www.itaucultural.org.br/)

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