O acaso, que tanto jeito dá na internet, me levou a "Domingo. Tiros. E Manuel Bandeira!", post de 17 de Junho de um blogue brasileiro:
"A manhã começou agitada. Domingo, Rio de Janeiro, sol. Da janela da sala ouvia-se tiros, muitos tiros. Pareciam estar ali na esquina. A vizinhança cochichava. É claro que um curioso foi sondar de onde vinham os tiros. Sim, a polícia estava bem ali na esquina. Aqui em casa, nos olhávamos preocupados. Ninguém ousou dizer uma palavra sequer. O silêncio permaneceu até o vizinho do primeiro andar gritou:
- Rio de Janeiro? Que nada! Vou me embora pra Pasárgada!
A risada foi coletiva. A pequenina ria mesmo sem entender o que Pasárgada significa."
Pois é. "Vou-me embora pra Pasárgada", o célebre poema de Manuel Bandeira:
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
E onde fica essa cidade? O próprio Manuel Bandeira escreveu no seu Itinerário de Pasárgada:
Quando eu tinha os meus quinze anos e traduzia na classe de grego do Pedro II a Ciropedia fiquei encantado com esse nome de uma cidadezinha fundada por Ciro, o Antigo, nas montanhas do sul da Pérsia, para lá passar os verões. A minha imaginação de adolescente começou a trabalhar e eu vi Pasárgada e vivi durante alguns anos em Pasárgada..
Mais de vinte anos depois, num momento de profundo cafard e desânimo, saltou-me do subsconsciente este grito de evasão: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Imediatamente senti que era a célula de um poema. Peguei do lápis e do papel, mas o poema não veio. Não pensei mais nisso. Uns cinco anos mais tarde, o mesmo grito de evasão nas mesmas circunstâncias. Desta vez o poema saiu quase ao correr da pena. Se há belezas em “Vou-me embora pra Pasárgada”, elas não passam de acidentes. Não construí o poema, ele construiu-se em mim nos recessos do subconsciente, utilizando as reminiscências da infância – as história que Rosa, a minha ama-seca mulata, me contava, o sonho jamais realizado de uma bicicleta etc. O quase inválido que eu era ainda por volta de 1926 imaginava em Pasárgada o exercício de todas as atividades que a doença me impedia.
“E como eu farei ginástica... tomarei banhos de mar!” A esse aspecto Pasárgada é “toda a vida que podia ter sido e que não foi”.
“E como eu farei ginástica... tomarei banhos de mar!” A esse aspecto Pasárgada é “toda a vida que podia ter sido e que não foi”.
Belas palavras a iluminarem a construção do poema, com esse pungente final: "toda a vida que podia ter sido e que não foi"... Como tantas vezes acontece na vida, é.
1 comentário:
¡Qué bien viene refrescar la memoria de vez en cuando! "Vou-me embora prá Pasárgada"! a veces me despido de esta forma, parece que el poema transmite la sensación que aquel día transmitió "aquela cidadinha" al poeta. Parabéns!
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