segunda-feira, 18 de setembro de 2006

De Mia Couto a João Guimarães Rosa (A vertigem das outras margens)



O Januário é bateleiro no rio Pungué, em Moçambique. Mia Couto escreve:

Os olhos do Januário, oblíquos, buscavam não se sabe que infinito. Houvesse ou não um rio: ele tinha sempre o olhar na outra margem. Como se outra travessia ele empreendesse dentro de seus cursos interiores.

Com esse “olhar na outra margem”, porque não fazer uma rápida viagem ao Brasil? Há um conto de João Guimarães Rosa, “a terceira margem do rio”, no livro Primeiras Estórias, onde um homem, pai de família, entra numa canoa e vive nela, ficando aí por muitos anos, a navegar sem parar mas também sem se afastar da região onde a sua família mora. O narrador é o filho, que no fim do conto se oferece ao pai para o substituir na canoa, mas quando o pai se dirige para ele…

Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte do além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.
Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro—o rio.

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