«Intimação ao Professor Malaca» [VGM, DN]
Num esgar de arrogância despeitada, o Prof. João Malaca Casteleiro
diz ao Expresso de sábado passado, sobre a minha tomada de posição
contra o Acordo Ortográfico: “É um autêntico disparate e uma atitude
mesquinha, revelando espírito de vingança. Quem vai pagar estes
custos?”.
Tenho pouca paciência para os trejeitos do autor de um livro
intitulado O Novo Acordo Ortográfico, que não li, não tenciono ler e
achei, de resto, perfeitamente detestável. Num gesto largo e moscovita,
deixo essa ocupação para a moleirinha ociosa do Dr. António José Seguro
que decerto muito lucrará com isso.
O professor Malaca tem-se especializado em produções de medíocre
qualidade, como o famigerado e redutor dicionário da Academia das
Ciências, abominável exercício de encolhimento do português
contemporâneo, de cuja revisão ele parece agora ter sido dispensado. Mas
não vale a pena gastar cera com ruins defuntos. E quanto a quem paga
custos e que custos, estamos conversados…
Também não vale a pena tratá-lo como interlocutor capaz quanto a
questões jurídico-constitucionais relativas à recepção na ordem interna
dos tratados e convenções internacionais. Prefiro poupá-lo aos custos
desse ingente esforço intelectual.
Mas já vale a pena intimar o professor Malaca a responder muito concretamente aos pontos seguintes:
O art.º 2.º do AO dispõe: “Os Estados signatários tomarão, através
das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com
vista à elaboração, até 1 de Janeiro de 1993, de um vocabulário
ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e
tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias
científicas e técnicas.”
Sendo certo que o prazo inicialmente referido foi modificado, deve o
professor Malaca responder sem subterfúgios onde é que está esse
vocabulário comum.
Não existindo esse vocabulário comum, deve dizer sem subterfúgios
onde é que está a plataforma ou instância formada por instituições e
órgãos competentes dos Estados signatários, com o mandato e o objectivo
de elaborá-lo, qual o seu calendário de reuniões e qual o teor daquilo
que tenha deliberado.
Ainda quanto a este aspecto, deve responder, sempre sem subterfúgios,
quais são, em Portugal e nos outros países as instituições e órgãos
competentes para o efeito.
Caridosamente, informo-o de que não vale a pena fazer batota: em
Portugal, a instituição competente é a Academia das Ciências, o que o
Governo Sócrates esqueceu em patente violação da lei, e não o ILTEC
(Instituto de Linguística Teórica e Computacional), que é um simples
instituto universitário e não tem qualquer competência formal ou
institucional na matéria (tem financiamentos da FCT cujos montantes
podem ser objecto de indagação, já que o professor Malaca se mostra tão
preocupado com custos).
Supondo que ele respondeu correctamente às questões que antecedem,
fica intimado a explicar também como é que entende que o AO de 1990 pode
ser aplicado sem a verificação desse pressuposto.
A segunda ordem de questões prende-se com regras do próprio AO.
Diz a al. c) do n.º 1 da Base IV do AO que o c, com valor de oclusiva
velar, das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante),
cç e ct, e o p das sequências interiores pc (c com valor de sibilante),
pç e pt, se conservam ou eliminam “facultativamente, quando se proferem
numa pronúncia culta, quer geral quer restritamente, ou então quando
oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e
cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e
setor; ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto,
recepção e receção”.
Sendo assim, é o professor Malaca intimado a esclarecer,
imediatamente e sem subterfúgios, se a aplicação de uma ferramenta de
conversão automática que elimine na prática a possibilidade de opção
entre essas facultatividades corresponde a cumprir o AO.
E por fim é o professor Malaca intimado a identificar, localizar e
caracterizar as pronúncias cultas dos sete países signatários do AO, de
modo a que a base IV seja exequível.
Vasco Graça Moura
[Transcrição integral de crónica da autoria de Vasco Graça Moura no "Diário de Notícias" do dia 08.02.12.]
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