sábado, 24 de maio de 2008

As profissões

 Vendedor Comercio Sociedade Humor

Quando se fala em vendedores toda a gente imagina logo estereótipo do vendedor de enciclopédias que entala o pé na porta para não lha fecharem na cara. Mas há mais tipos ou sub-tipos dentro desta categoria: os assalariados, os comissionistas, os fixos, os ambulantes, etc. Todos eles têm características muito fortes e alguns tiques profissionais interessantes. Fascina-me particularmente o do armazém de peças.

A situação de partida é banal: um electrodoméstico ou quiçá o nosso carro sofreu uma pequena avaria - coisa simples até - que se resolve trocando uma peça, coisa que nós próprios podemos fazer. Basta ir a um armazém de peças levando a velha e comprar uma nova. Lá, porém, somos atendidos ao balcão por um indivíduo que é rigorosamente igual em qualquer parte do mundo; podem verificar à vontade! Passo a descrevê-lo.

Esse indivíduo tem em geral um nome invulgar tal como Eusébio ou Euclides mas também pode chamar-se Silva. Sofre obrigatoriamente de alguma doença crónica (rinite alérgica, tosse, caspa, estômago ou fígado e, nesse caso, terá uma cor esverdeada). Na altura que nos atende está a meio de uma crise. De mãos nos bolsos, casaco apertado e gola subida comunica em frases curtas e monocórdicas entrecortadas por fungadelas do nariz. O seu humor é como o tempo mas - muito importante! - nunca lhe falem do tempo que faz, de doenças ou de futebol!

Quando lhe mostramos a peça a sua reacção é invariavelmente a seguinte: olha-a demoradamente dando-lhe várias voltas segurando-a com uma mão enquanto a outra permanece no bolso. De seguida pede a opinião a um colega: - Olha lá, temos aí ainda alguma 375/B-78 em armazém? O colega por sua vez também examina a peça e afirma: - Esta não é a B-78, é a B-81, que é quase igual, mas não sei se temos... Pega num dossier com folhas plastificadas e confirma a referência da peça.

Entretanto entra no armazém um indivíduo que é imediatamente atendido e que cumprimenta toda a gente de modo familiar. Ficamos a saber que nenhum dos presentes está bom mas que, enfim, vai andando... O colega do primeiro vendedor é quem nos atende agora (o outro ficou a falar de futebol com o recém-chegado). Telefona para um terceiro colega de outra secção para saber da B-81. Pede-nos para aguardar. Nós aguardamos, que remédio. Enquanto espera ao telefone, vai entrando na conversa sobre futebol. Finalmente ficamos a saber que aquela peça já não se fabrica mas que existe um outro armazém que é capaz de a ter.

Teremos, assim, a felicidade de conhecer mais um vendedor deste ramo e de verificar que se comporta exactamente da mesma forma que o(s) anterior(es), com a diferença que veste uma bata castanha ou azul escura.



 Vendedor Comercio Sociedade Humor Automoveis

Outro sub-tipo particular desta profissão é o vendedor de automóveis. Se bem que, por um lado, apresente algumas semelhanças com o vendedor de apartamentos, por outro lado possui características únicas. É fácil reconhecermos um deles mesmo se não estiver no seu local de trabalho. O típico vendedor de automóveis veste sempre fato com casaco de fazenda em xadrez; os sapatos são clássicos, sola de cabedal, pretos ou castanhos; uma camisola de malha de gola em V exibe uma gravata com alfinete que destoa do resto da indumentária onde não falta um relógio de pulso.

O vendedor de automóveis traz sempre a cara impecavelmente escanhoada - é ponto de honra; a sua pele é clara (raramente apanha sol, mesmo nas férias); em contrapartida as maçãs do rosto são rosadas ou vermelhas porque é hipertenso. Esta sua patologia advém dos inúmeros almoços com clientes e colegas, onde consome invariavelmente uma dose de bife com ovo a cavalo acompanhado de arroz e batatas fritas; as comidas tradicionais ou regionais como o frango de churrasco, barriga de porco grelhada e tripas à moda do Porto são alternativas válidas; fruta ou vegetais não são do seu agrado; acompanha tudo com meia garrafa de vinho tinto. Com tudo isto e uma vida sedentária criou uma pequena barriga que o casaco disfarça.

Na verdade o vendedor de automóveis pode ser encontrado quase sempre em restaurantes a almoçar e a discutir futebol ou em cafés, a tomar a sua bica; nos intervalos permanece no stand, a ler o jornal (secção desportiva). De tempos a tempos surge um cliente. Pousa o jornal dobrado na página que estava a ler e pode então dedicar-se a exibir todo o seu conhecimento sobre os veículos de quatro rodas através de um discurso amigável e fluente adquirido durante muitos anos de experiência no ramo.

Ficamos então a saber que aquela marca nunca fez um modelo como aquele (excepto um que fez há muitos anos, que o nosso amigo já teve e que, se pudesse, teria conservado, não obstante já ter mudado de carro muitas vezes depois disso). Segue-se uma dissertação algo técnica sobre algumas características do modelo, sobre a sua motorização e equipamento de série enriquecida por narrações detalhadas de histórias pessoais e familiares. Este monólogo é acompanhado por uma demonstração exaustiva das diversas funcionalidades do veículo e da manipulação de todos os seus equipamentos, alavancas, botões, etc. e só é interrompido por uma ida à casa de banho para urinar (ouve-se claramente o barulho na sanita e a descarga do autoclismo).

Por fim, depois de nos convencer da excelência da máquina que temos à nossa frente, revela-nos em tom de confidência que afinal actualmente os automóveis são todos iguais pois são feitos nas mesmas fábricas. Portanto, não vale a pena escolher muito. Os vendedores de automóveis são todos iguais...

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