sábado, 10 de fevereiro de 2007

Joaquim Manuel Magalhães

Fotografia de Jorge Molder

Joaquim Manuel Magalhães tem uma vasta obra como poeta, ensaísta, crítico de poesia e tradutor. Nesta última faceta, além das suas traduções de poetas ingleses e norte-americanos, destacam-se as antologias da nova poesia espanhola que deu a conhecer em Portugal (Poesia Espanhola de Agora, que, em dois volumes, reune sessenta e oito autores nascidos entre 1942 e 1976; mais Poesia Espanhola, Anos 90, do ano 2000).

De um seu livro, "já antigo", Segredos, Sebes, Aluviões, é o poema seguinte (De 2001 é o seu último, magnífico e desolador livro de versos, Alta noite em alta fraga):


Era de inverno, em Vila Real. A neve
cobria as ruas que levavam ao liceu.
Dentro da confeitaria, as luvas de cabedal
no tampo de vidro, o vapor da respiração
ligava-nos entre as conversas de mesas indiferentes.
E querias olhar para mais dentro de mim.

Os pombos escondidos nos beirais tapavam
a cabeça na plumagem de chumbo, cor do ceú.
Calados, afeitos ao silêncio, enlaçámos
em cada um dos nossos livros a primeira letra
dos nossos nomes, de modo a desenharem
uma única letra que não havia em alfabeto nenhum.
Que bem que estávamos tão mal ali sentados,
a faltar às aulas, nessa primeira vez
em que nos acontecia, sem sabermos, um amor.

Tu não ias adivinhar as leis secretas
que já nos separavam. Tu não podias
lutar na via de sangue da minha vida.
Mas sempre que tombar a neve em Vila Real
e desceres a avenida a caminho do café
de alguma destas coisas, quem sabe, te hás-de lembrar.

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