segunda-feira, 23 de outubro de 2006

"Sérgio Godinho faz ligação directa entre sátira e amor"

"Este disco não tem uma só cor", diz-nos Sérgio Godinho, os braços pousados numa mesa junto ao Oceanário, em Lisboa. "São canções de vários teores", assume o compositor sobre "Ligação directa", o seu novo disco. "Existem as líricas, as satíricas e as festivas", prossegue, mencionando o mosaico sonoro que por ali se descortina sons eléctricos, acústicos ou de teor popular e os sons de cordas e sopros.

Depois de amanhã, "Ligação directa" chega às lojas. "O título ocorreu-lhe "por uma razão muito prosaica" enquanto se passeava numa garagem escura "Lembrei- -me dessa acepção da ligação directa para um carro sem chave. A partir daí estabeleceu-se uma metáfora leve em relação ao que é uma ligação directa com a vida, com as pessoas, com os amores, comigo mesmo". Sérgio Godinho está com 61 anos, mais de metade dos quais a criar grande parte das melhores canções alguma vez escritas em língua portuguesa.

O caminho das canções

É na sátira de "O rei do zum zum", ou "Só neste país" que o novo disco ganha especial encanto. Nesta última, Godinho retrata o povo português e a sua tendência para oscilar entre o optimismo e o pessimismo enquanto o diabo esfrega os olhos. A letra é assim "Sempre/ complicamos a coisa mais simples/ e simplicamos a complicada/ sai em rajada/ o tiro p'la culatra/ às vezes mata/ às vezes ressureição/ foi só de raspão". E assim: "São muitos séculos em morna ebulição/ a transitar entre o granizo e a combustão/ e um qualquer hino/ p'ra qualquer situação/ a pessimista, a optimista/ e vai abaixo e vai acima".

E ele explica "Nós pensamos sempre que somos os melhores ou somos os piores. Num momento é tudo fantástico mas de repente já achamos que queremos é mudar de país porque isto aqui não vale nada - criam-se esses ciclos e contraciclos".

As canções nascem-lhe sem pressas. Costuma partir de uma base musical e só mais tarde encaixa a letra. "Começo a compilar pequenas ideias que às vezes são apenas uma frase mas que já me dá caminho para eu desbravar e encontrar caminhos até que se abra um avenida. Depois, nessa avenida, é preciso pôr semáforos, desvios à direita ou à esquerda, sentidos únicos, por aí fora".

"Esse trabalho demora muito tempo", continua, "porque tem a ver com dinâmicas musicais, métricas, rimas, equilíbrios, com aquilo que se conta e com o poder de síntese". Sérgio Godinho assume que não faz canções de rajada. E remata "Faço as coisas sem freio, depois deixo-as descansar um bocado e torno a olhar para elas para descobrir-lhes os defeitos".

Neste seu primeiro disco de originais desde "Lupa" (editado em 2000), Godinho conta com a preciosa colaboração de Nuno Rafael, músico com pouco mais de 30 anos e que assina a produção e a direcção musical. Rafael é, aliás, a figura de proa dos Assessores, a banda que acompanha o cantor, e que na qual também constam nomes como Miguel Fevereiro, João Cardoso, Nuno Espírito Santo, Sérgio Nascimento, Sara Côrte Real e João Cabrita. Todavia, aqui e ali, surgem outros músicos com o estatuto de convidados. Neles se destacam Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves, dos Clã, ou um conjunto de executantes de sopros constituído por Nuno Cunha, Jorge Ribeiro ou Tomás Pimentel. Em quatro das canções participa ainda uma secção de cordas.

O disco foi gravado durante o último Verão, altura em que Godinho conseguiu, finalmente, avançar com o punhado de canções que ia construindo e guardando na gaveta durante o escasso tempo que lhe sobrava entre inúmeras solicitações e colaborações para peças de teatro ou outras iniciativas.

Num futuro breve, Sérgio Godinho e os Assessores tencionam subir aos palcos deste país. Contudo, para já apenas existe a confirmação de um espectáculo em Sintra, a 30 de Novembro no Centro Cultural Olga Cadaval, e de um outro no Porto, a 7 de Dezembro, marcado para a Casa da Música.

In Jornal de Notícias, por Cristiano Pereira.

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