terça-feira, 14 de maio de 2013

Chico Buarque fala sobre o racismo, sobre seu neto e a hipocrisia


Chico Buarque fala sobre o racismo, sobre seu neto e a hipocrisia 

Chico Buarque comenta o racismo claro ou dissimulado de boa parte dos brasileiros. Ri daqueles que insistem em ignorar os séculos de miscigenação em nosso país. Em seu depoimento, Chico fala de sua revolta ao descobrir que sua filha, casada com o músico Carlinhos Brown, foi forçada a se mudar em razão das agressões que seu filho, neto de Chico, sofria dos moradores. Às vezes, quando ouço pessoas falando de sua genealogia — que sempre evitam suas linhagens não brancas, respondo que tenho pedigree. É que só se encontra portugueses em meu passado. Só que minha árvore genealógica é muito incompleta, muito curta, é dessas que logo se perdem, mesmo que eu tenha cidadania portuguesa adquirida em razão de ter avós portugueses por parte de pai. Aliás, os portugueses nunca se miscigenaram… Daqueles 128 citados por Chico — 4 avós, 8 bisavós, 16…, etc. — deve haver um monte de não brancos. Imagina se não há negros e índios dentre eles? Minha mãe era chamada de índia por seus pais… E os 128 estiveram por aí não faz muito tempo. 

Com a palavra, Chico Buarque. Vale a pena ouvir.

Milton Ribeiro (12 de maio de 2013)



domingo, 12 de maio de 2013

100 RAZÕES PARA TE MANTERES VIVO




1 uma noite bem dormida
2 o teu amor abraçar-te enquanto sonha a teu lado
3 o sorriso das filhas
4 o sol a pôr-se por detrás do horizonte
5 as gaivotas que voam em terra quando um homem se põe a pensar
6 uma mesa de amigos
7 com bom vinho a regar a conversa
8 aquele alívio matinal que regulariza as funções do corpo
9 e deitares-te na banheira enquanto a água sobe
10 sobe sobe até ficares submerso
11 ateares o fogo na lareira numa noite de Inverno
12 um chouriço assado
13 mergulhares na água salgada de Verão
14 andar a pé
15 ou simplesmente caminhar, subindo e descendo
16 arribas, falésias, montes, serras
17 o som dos passos enquanto caminhas
18 e a flora à volta dos teus passos
19 pássaros, grilos, cigarras
20 as queimadas no Outono, pão lêvedo das Furnas barrado com queijo da serra
21 o primeiro cheiro da lenha a arder pairando no ar
22 rosmaninho
23 reencontrar um amigo que julgávamos perdido
24 rir
25 dançar
26 ou rir e dançar ao mesmo tempo
27 chorar, também, que atenua a dor
28 um bom western
29 um bom filme, os tomates do Rogil
30 os livros, sobretudo aqueles que ainda não leste
31 e aquela frase
32 uma brisa ligeira no coração da canícula
33 viajar
34 as miragens no deserto
35 uma aurora boreal
36 estrelas cadentes
37 livros antigos e cartas escritas à mão
38 os álbuns de família em sépia
39 tigres de Bengala, gorilas do Congo
40 e todos os animais selvagens em vias de extinção
41 a Floresta Amazónia, o Grand Canyon, as Cataratas do Niágara
42 essa ideia de Tibete que urge preservar
43 Mandela e o mantra entoado pelo corpo do Lama
44 o hino nacional entoado pela selecção de rugby
45 uma boa peça de fruta
46 um café e um cigarro
47 bagaço
48 um velho que te conta uma história
49 uma criança que te faz uma pergunta inusitada
50 poderes ignorar os teus inimigos e desprezar seu mau olhado
51 andar ao acaso numa cidade e vislumbrar o que sempre passa despercebido
52 abraçar calorosamente quem amamos
53 a paixão quando menos se espera
54 e o desejo satisfeito sem horas nem horários
55 massagem ayurvédica
56 a chamada das mesquitas nas cidades árabes
57 mercados árabes, bazares e as Festas do Povo em Campo Maior
58 aprender a montar
59 pescar
60 consolar os ouvidos com o silêncio
61 e espantares-te, de vez em quando, com um feito humano (o Vale do Coa)
62 ouvir alguém pronunciar o teu nome com gratidão
63 o mundo sem fim da poesia
64 mitologia grega
65 hermetismo árabe
66 o terrorismo poético de Hakim Bey, o nomadismo intelectual de Kenneth White e o hedonismo libertário de Michel Onfray  iluminados pela candeia de Diógenes de Sínope
67 mas sobretudo os livros de Bruce Chatwin, Albert Camus, Henry David Thoreau e Michaux, Malcolm Lowry, Stevenson e Melville
68 os poetas irlandeses
69 Rimbaud, Baudelaire, surrealismo a conta-gotas, o dadaísmo, todo o Duchamp
70 e o teatro da crueldade de Antonin Artaud
71 as canções do José Afonso e a guitarra do Carlos Paredes
72 a voz de Amália
73 entre outras (Umm Kulthum ou Nusrat Fateh Ali Khan)
74 e andar por aí a esmo respigando o maná das musas
75 Nicanor Parra, Vicente Huidobro (a sua história de amor)
76 os quadros de Van Gogh e as Pirâmides de Gizê
77 música brasileira, mais que todas a bossa nova
78 jazz norte-americano, o silêncio na Ordem dos Cartuxos
79 ia-me esquecendo de Walt Whitman
80 e a poeira levantando-se na estrada larga
81 enquanto uma lufada de vento nos inclina o corpo
82 deixando-nos impotentes à sua passagem
83 uma fogueira ateada
84 um índio que canta
85 tambores africanos
86 o didjeridu dos aborígenes
87 e alguém que te dá a ler Jean-Marie Le Clézio
88 quebrares o gelo, afagares a pedra
89 saberes estar calado quando o silêncio é devido
90 contar carneiros pelos dedos
91 tocar Era um Redondo Vocábulo na guitarra
92 sentindo cada nota como uma batida do coração
93 partilhar
94 e falar com os mortos numa linguagem muito nossa
95 enquanto a ideia de Deus ganha forma numa paisagem admirável
96 matar a sede numa fonte de água pura
97 colher fruta pelo caminho
98 semear qualquer coisa de nosso
99 para que outros possam colher
100 chegar a este ponto com a sensação de que facilmente enunciaria mais
101 razões para continuar


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